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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A gente se acostuma


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas logo se acostuma a acender cedo a luz. E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado.A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduiche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite.A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias de água potável.A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana. E se com a pessoa que a gente ama, a noite ou no fim de semana, não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma....
Texto de Marina Colasanti

4 comentários:

  1. Bom diaaa!!! Tinha que ser Clarice... chorei muito!!! É a minha realidade!!! Me acostumei a tantas dessas cosinhas ruins que nem percebi...
    Tiamu Matere... preciso de vc... não sofra tanto por quem não vale isso... me acostumei também a me preservar, se eu não me defender, quem vai????
    Se cuide, marque comigo um horário a noite, precisamos conversar... estou de folga hoje e vou deixar o msn aberto o dia todo...
    Tiadoro, tô levando o texto e postando lá... nem tô pedindo... só avisando... calou fundo....
    Bjsss

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  2. Teresa, que bom que lhe descobri! (Foi por acaso, vendo os comentários de um blog espanhol).
    Sabe, amiga - já lhe considero uma amiga - você tem razão. A vida já não é como no tempo de nossos avós e pais. Tem poluição demais e espaço, que é bom, nem sempre temos. E com isso nos acostumamos ao 'ruim' e nossa vida vai ficando cada vez mais parecida com a de um robô. Abaixo o 'acostumar'! Vamos sair dos 'buracos' e viver a vida a plenos pulmões enquanto é tempo! Você deve estar pensando "falar é bom, o difícil é viver". Mas, pelo menos devemos tentar, concorda? Assim como você está fazendo, alertando e conscientizando!
    Olha, nosso blog é voltado para a natureza. Veja "Entrando no Mato" na 'Via Natureza 6'. Acho que você vai gostar de respirar um pouco de ar puro, pelo menos... em fotos!
    Um carinhoso abraço!
    Luísa

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  3. Esse texto é de Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

    do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.

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  4. OLÁ ANONIMO......Agradeço a ajuda e já vou trocar agora a autoria. Recebi esse texto por email e a autoria era de Clarice Lispector, por isso postei dessa forma.Mas depois do seu comentario, fui buscar e verifiquei a autoria de Marina Colasanti. Obrigada pelo toque e seja sempre bem vindo ao meu blog.

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"ESCOLHER A EDUCAÇÃO É ASSUMIR O COMPROMISSO COM O ALUNO E CONSIGO MESMO!"